Calei-me

Quando os nazis levaram os comunistas, eu calei-me, porque eu não era comunista.

Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque eu não era social-democrata.

Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque eu não era sindicalista.

Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque eu não era judeu.

Quando eles me levaram, não havia mais ninguém que protestasse.

Martin Niemoller

… que falta

escolho o fácil: deixar que a vida me viva em vez de eu a ela

Queria chorar, mas já não sei
estou tão fraco, quase a implodir
Queria afagar-me no teu colo, mas sei que o faria por egoísmo,
nem sequer prefiro o teu colo, apenas o escolho por ser o mais fácil
devia acabar-nos, mas não tenho força nem tu vontade.

Estou igual aos outros, sem força para seguir o caminho que sei certo, mas difícil
por isso escolho o fácil: deixar que a vida me viva em vez de eu a ela

Os pensamentos encarquilham-se-me e parecem querer enganar-me.
A mim! Que nunca antes deixava que o Ego me levasse a melhor!
…agora deixo e nem me importo.
Vivo de cor e salteado, sou um verdadeiro sábio, adivinho tudo o que vão dizer e já tenho a resposta programada antes da pergunta ser feita!

Vou inscrever-me num clube de qualquer coisa e competir para ser melhor que os outros, não importa em quê, o que importa é que esteja ocupado e que o meu prodigioso intelecto se concentre em alguma coisa que não isto. Tenho a certeza que vou ganhar – ganho sempre! Mas depois vou concorrer rapidamente a outra coisa qualquer, para ter que me concentrar de novo..
Depois, quando finalmente tiver a paz enganadora da falta de vontade, vão todos homenagear-me, dar-me comendas e discursos bonitos, talvez até me façam um busto de bronze! Todos vão achar que fui muito importante e exemplar – até eu! …mas só até ao penúltimo momento da vida, porque aí…
Aí vou perceber o que realmente é importante, aquilo que até os parvos sabem, mas que a minha fantástica mente não terá alcançado até então.

Março 2006

porcaria (ou consideração em Si menor)

Você é um ser desprezível!
Não por ser vil ou sequer desagradável,
apenas por não ter utilidade nenhuma

Si menor2Quero agradecer-lhe,
tenho toda a consideração do mundo por si,
que me lê
mas isto por si só, não lhe dá mérito,
poderá é dar-se o caso do mérito
ser motivo de consideração

mas considerando que
a consideração que lhe tenho
deve-se apenas ao facto de me estar a ler
e por isso me massajar o ego,
tenho que concluir que o que tenho por si
não é verdadeiro,
é só agradecimento por me reconhecer.

Mas se me reconhece por esta…
porcaria
descubro que não tenho qualquer consideração por si
porque isto que aqui lê
não é mais que perda de tempo, não tem valor

E, se V. Exa., gasta olhos e tempo e energia
a ler esta porcaria
não é dotada de qualquer mérito,
e merece de mim, portanto,
desprezo

Termino este agradecimento,
retirando-o
e desejando-lhe as melhoras!

Você é um ser desprezível!
Não por ser vil ou sequer desagradável,
apenas por não ter utilidade nenhuma
e, por isso, pode
e deve
ser desprezado.

O animal é parvo

O animal queria reconhecimento.
Trabalhava 16 horas por dia e ainda estudava mais 3. Ficava sem comer para ter dinheiro para comprar livros. Não tem amigos para conversar, nem amigas para apaixonar.

Pintou um quadro anónimo para não alimentar a sua própria vaidade, mas deram a vaidade a quem o descobriu, mesmo sem se revelar o autor. Depois escreveu um livro, mas ficou tão famoso que teve de mudar de nome.

Quer amigos verdadeiros, mas não sabe que todos são. Pensa que, se têm interesse nele, são interesseiros, e por isso esforça-se por afastar todos os que se interessam por ele. Depois, quando já ninguém quer saber dele, dedica-se a fazer coisas maravilhosas para que se voltem a aproximar.
O animal é parvo. Compôs uma suite para quarteto de cordas tão famosa que tornou rico um pobre professor de piano da sua terra, mas depois achou-o desonesto porque ficou com a glória que não era dele. O professor repensou, deu a glória que devia ao animal e ele… ficou fulo porque os jornais todos diziam que se tinha redescoberto o autor do livro famoso! Achou o professor desonesto porque tinha prometido não divulgar!
Achou-se execrável porque culpava o professor por fazer tudo e o seu contrário.
Pareceu-lhe tudo injusto, e decidiu acabar consigo próprio. Gastou todo o seu dinheiro a comprar um carro blindado acelerou a toda a velocidade e atirou-se junto com o carro para o rio Vouga. Não morreu, recuperou e no dia em que teve alta do hospital da Universidade de Coimbra comprou uma passagem para o Egipto. Atirou-se ao Nilo e nunca mais ninguém o viu.
Não apareceu em nenhum obituário, porque ninguém sabe como é que se chama realmente.
Poderia ter sido o mais brilhante ser humano que alguma vez viveu, mas como nunca quis nada fácil, será para sempre quase nada.

Jun2009

tudo desexiste

fogoO Amor sem razão
não é Amor, é tesão.

O Amor não é o mais forte sempre.
Há momentos em que o forte, é mais forte do que o bom
claro que, no final, o bom vence sempre,
mas é muito importante saber-se que às vezes aquilo que nunca sentimos antes,
que parece ser impossível não ser certo, é “apenas” paixão
e devemos também saber que quando passar a paixão,
vamos ter que ficar com o que resta.

Em último caso há que lembrar que tudo acaba
e portanto mesmo o que é realmente importante
deixará de existir…

Ilustração (ou apagar)

A mais recente capa da revista New Yorker diz tudo sem uma palavra.

coverstory-tomac-flameout-880x1200-1486069188
Revista New Yorker Fev.2017